Os Magníficos Frascos e seus Indescritíveis Perfumes

Frascos de Perfume e suas Fragrâncias

“Smell, like colour, is a biological phenomenon. It is not an intrinsic property of a molecule – it is what our cells feel when they touch it.

In other words, it is a problem of molecular recognition.”

Luca Turin – Secret of Scent.

Quem não aprecia um delicioso perfume? Um inebriante odor, seja ele proveniente da natureza como no caso de uma flor, e há tantas delas, tal qual jasmim, rosa, cravo, lírio do vale, magnólia, narciso, gardênia; ou então como de frutas tal qual morango, pêssego, maçã, abacaxi, melancia e coco; ou modernos como, ar fresco, chuva de verão, gelo seco, ou outros odores pungentes como os do tabaco, couro, patchouli e pimenta?

Jungle Eau de Parfum Kenzo 1996

Jockey Club Sec. 19 Inglaterra

A indústria dos perfumes veio suprir a necessidade de termos mais perto de nós e por mais tempo um aroma que gostamos. Não quero aqui citar a história, mas falo de carências mais recentes, onde o ser humano induzido pelo marketing moderno procura embelezar-se e nutrir-se com bálsamos e especiarias, pelo mais puro prazer, por necessidades auto afetivas ou por mero exibicionismo.

Acredito também que pelas exigências da indústria, nunca ficaremos sem qualquer fragrância, desde as mais antigas ou mais recentes, a não ser que esta seja uma escolha pessoal.

 

Ecusson Eau de Parfum Jean D'Albret 1947

Bellodgia Eau de Parfum Caron 1927

Atualmente temos uma vasta gama de perfumes estrangeiros e alguns nacionais. Mais de 500 novos perfumes são lançados no mercado cada ano. Nossa escolha acaba ficando cada dia mais difícil pois quase todas as fragrâncias atuais se assemelham muito com pequeníssimas variantes. Os grandes lançamentos são, genericamente falando, 90% cítricos para o mercado masculino e tendem a ser 90% com odor pêssego misturado com iris para o feminino.

Como deve-se fazer para escolher um novo perfume? Não tendo de antemão uma marca na cabeça, com a fragrância já conhecida e usada, é um processo bastante confuso. Normalmente uma loja especializada já se encontra previamente perfumada. Os odores estão todos misturados no ar pelos compradores anteriores, pelos “testers” que foram abertos ou pelos clientes que chegam in-devidamente perfumados.

 

Royal Dove Eau de Parfum Delagar 1960/80

Sair à procura de uma nova idéia ou um novo conceito de perfume exige um pouco de espírito de aventura. Sorte de encontrar a opinião abalizada de um vendedor conhecedor de seu “métier”, ou azar se encontrar um vendedor novato e feliz que poderá lhe oferecer uma dezena de perfumes e deixar você totalmente indecisa(o) porque, (a) são muito parecidos entre si (b) são muito doces (c) são muito cítricos (d) não apresentam um diferencial olfativo perante aqueles que você já possue (?). Se se faz cara de não saber o que se quer, o vendedor vai tentar lhe vender os últimos lançamentos, provavelmente de alguma atriz ou starlet americana tipo Sarah Jessica Parker, Paris Hilton ou Jennifer Lopez…nesse caso é preciso ter muito cuidado!

Annick Goutal Eau de Parfum Gardenia Passion 1989

A dúvida se instala; comprar por comprar sem amar ou por gostar mais ou menos de todos…Mas aí, a tentação arma uma cilada. Pensamos que não há mal nenhum em se levar algo novo para casa. Recentemente soubemos em uma pretigiosa revista que houve o lançamento de perfumes de quatro famosos Ateliers de Moda Internacionais. Eles estavam entre os dez que o vendedor havia lhe mostrado, mas nenhum deles cheirava especial. Entretanto seria terrivelmente bem estar “up to date” usando um deles nas festas com amigos. Afinal cheiros também elevam status. Odores revelam bom gosto, atitude perante a vida, posição na escala social! Ou não?

L'Air du Temps Eau de Parfum Nina Ricci 1948

Associar sua persona a uma marca de luxo é um verdadeiro sonho tornado realidade e perfume é um dos luxos mais acessíveis. Desfilar cheirando J’Adore (Dior/1999), Apple (Marc Jacobs/2010), Eau Sauvage (Dior/1966) ou Égoiste (Chanel/1990), poderá ser altamente edificante para seu ego, talvez um pouco menos para o seu bolso.

Omnia Green Jade Eau de Parfum Bulgari 2008

J'adore Dior / Eau de Parfum

J'adore Eau de Parfum Dior 1999

Assim, numa escolha quase como entre a vida e a morte, há de se decidir por um deles.

Qual será o fator decisional? Bem, se todos os odores parecem iguais, ou muito semelhantes, pode-se conectar com o segundo maior fator de escolha de um perfume, se não for um dos primeiros para muitas mulheres e homens – o seu frasco!

No começo do século, antes da Primeira Guerra Mundial, as grandes Casas de Moda como Chanel, Lanvin e Patou, lançaram seus “Parfum” em frascos feitos por Lalique e Baccarat que eram especizalizados em cristaleria. Seus frascos eram verdadeiras obras de arte.

Opening Night Parfum Lucien Lelong 1935

Mais tarde com a democratização do perfume, surgiram as “Eau de Toilette” e “Eau de Parfum” e os frascos então também se simplificaram e foram industrializados, sendo até hoje feitos em vidro com tampas em plástico e outros materiais mais baratos para atender a demanda do “middle market”.

Ainda assim, as marcas de luxo investem uma grande quantidade de dinheiro no ramo da perfumaria e consequentemente nos seus envólucros. Falo não somente dos frascos mas da embalagem como um todo. A caixa que protege o frasco é também motivo de design e complementa o conceito. Os frascos estão sempre sendo alvo de design altamente sofisticado para atrair cada vez mais clientes, muitos destes olfativamente destreinados e pouco exigentes. Aqui no Brasil o mercado responde diferentemente. Ainda é um mercado incipiente e o investimento é pequeno comparativamente ao mercado perfumista estrangeiro.

Opium Eau de Parfum Yves Saint Laurent 1977

Devo aqui abrir um parênteses, porque estaria sendo injusta se omitisse citar aqueles que são clientes fiéis de suas marcas, idólatras de seus odores – seus Chanel nº 5 (Chanel/1921), Opium (YSL/1977), Shalimar (Guerlain/1925), Polo (Ralph Lauren /1978), para falar dos odores mais tradicionais. Mulheres e homens sofisticados, cheirosos, amantes de aromas elegantes que remetem ao divino, são narizes que podem cheirar múltiplas essências e distinguir várias notas que compõe uma fragrância. São “home experts” e não são presas tão fáceis das últimas novidades e ardís das perfumarias de luxo.

Trésor Eau de Parfum Lancôme 2007

Dolce Vita Eau de Parfum Dior 1995

Entretanto é sabido que os perfumes antigos feitos atualmente tem sofrido reformulações e não são os mesmos que foram outrora. Obviamente as indústrias não se revelam. As razões são múltiplas; materiais naturais são substituidos por sintéticos porque escarcearam, desapareceram, ou tornaram-se muito caros e são substituidos por materiais mais baratos. Também variam de cheiro conforme a colheita do ano. Alguns materiais devem se adaptar à leis de segurança da IFRA – International Fragrance Association. Quem conheceu e usou regularmente um perfume e o for recomprá-lo hoje ficará seguramente decepcionado. Somente seu nome e talvez o frasco mantiveram-se iguais.

Shalimar de Guerlain não é mais o mesmo. Seu frasco acabou de ser redesenhado e sua fragrância não é mais a mesma. Restou somente sua idéia e seu mito. J’adore de Dior também. O frasco é igual, mas seu aroma é uma pálida idéia do que foi. Fleur de Rocaille de Caron (1933), cheirava a um inebriante bouquet de flores mas hoje cheira a rosa ácida.

Shalimar Parfum Guerlain 1925

Assim, continuando, o fator de escolha de um perfume recai inúmeras vezes no design dos frascos, quando o comprador não tão versado na ciência, desorientado pelos odores semelhantes, pelo vendedor desarticulado, pelo ambiente já odorizado, sucumbe ao forte apelo visual da embalagem. Este fator de escolha segundo pesquisas, ocorre em maior número no público masculino.

Este é o “ardil” e a tarefa mais difícil que os usuários devem enfrentar, porque é uma atração indescritível escolher entre os belos frascos coloridos contendo um mundo mágico de indescritíveis e misteriosos (para a maioria de nós) odores.

São ricos formatos geométricos ou orgânicos, altos ou baixos, em vidros brilhantes ou foscos, com acabamentos em metal, madeira e plásticos rebuscados; com tampas douradas, prateadas, acobreadas, transparentes ou sólidas, com uma riqueza de estampas e detalhes de ressaltos ou rebaixos, logos exóticos e rótulos com toda a sorte de técnicas, caixas suntuosas em papelões aveludados que antecipam o prazer do nobre encontro com a fragrância desejada, cobiçada (?) mas quase incógnita, momento este que se assemelha ao prazer que nos daria o encontro com um sedutor amante secreto.

Shalimar Eau de Cologne / Guerlain 1925

O design de produto e gráfico, portanto, tem um papel preponderante na vida da perfumaria. Como somos por natureza criaturas visuais e tácteis, queremos ser sensibilizados pelos objetos. Um perfume nos propõe três tipos bem fortes de sensibilização, a olfativa, a visual e a táctil. O Perfume é um objeto de alto sentido, porque traz prazer e função. Desde sua embalagem até seu conteúdo liquido envolvendo seu odor.

Por um lado ou por outro, esta indústria soube muito bem enredar seu público alvo.

Se a nossa aventura pela descoberta de um novo perfume for motivada simplesmente pela busca por um novo cheiro ou por uma memória olfativa ou ainda pela busca de status ou um impulso consumista ou quem sabe algum imperativo estético, devemos estar conscientes que de qualquer forma estamos presas(os) a outro imperativo, o econômico, da nossa era. Desta forma, mesmo pensando em todos os aspectos de sustentabilidade, por uma razão ou por outra acabaremos por comprá-lo!

Observação:

As fotos foram colocadas em ordem aleatória, mais por questões estéticas do que por razões históricas. Todos os frascos pertencem à coleção particular da autora.

Todas as fotos são de propriedade da autora. As fotos não podem ser reproduzidas.

Créditos:

Fotografias:

Suzana Sacchi Padovano

PERFUMES E ODORES DA CHINA/Perfume é Arte, Ciência ou Design?

“Nothing is more memorable than a smell. One scent can be unexpected, momentary, and fleeting, yet conjure up a childhood summer beside a lake in the mountains”(1)

Diane Ackerman, Writer

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Yinchuan

Uma Cidade Amigável

A Friendly City

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Recentemente li certo trecho em um livro de uma monja budista que dizia precisarmos sentir mais a textura da vida. Concordo, especialmente quando se trata da nossa cada vez mais árida e insustentável civilização moderna, que se afasta aos poucos dos aromas, toques, gostos e sentimentos.

Vemos recentemente no desenvolvimento de novos designs, com a adoção de novas tecnologias, sermos induzidos a nos movermos cada dia menos. Quase todos os aparelhos que antes necessitavam de nossa ação, hoje possuem sensores eletrônicos. Salvo algumas exceções que são justificáveis, outros como torneiras que fazem quase tudo, objetos eletrônicos com comandos viva voz etc., me parecem fazer mais mal do que bem.

Fui visitar a China em busca de sua cultura, beleza e mistérios.  À procura de suas texturas e perfumes. Isto porque sou uma curiosa e estudiosa iniciante sobre perfumes e apaixonada por eles.

Meu ponto de chegada foi Beijing, mas dalí peguei um voo noturno para Yinchuam, capital da provincia de Ningxia, perto da fronteira com a Mongólia. Foi a primeira cidade que fui visitar.

De um voo internacional mudei para um voo interno. Os passageiros eram quase todos chineses e na sua grande maioria homens. Estavam vestidos com ternos pretos de feitio datado, com os cabelos pretos, naturais ou tingidos e cheirando a trabalho, suor e álcool. Este odor lotou o avião.

Era o cheiro da China rural, de carneiro e vinagre, de óleo frito, gordura seca e de vinho de arroz.

Aquele avião da Air China era relativamente velho e desconfortável. O voo levaria 4 horas. Sentou-se perto de mim um nativo. A aeromoça, logo depois da decolagem começou com os serviços de bordo.

O jantar foi servido. –“Chichenrice or Meatrice”? O cheiro de comida quente e empapelada tomou o ar. Tudo muito simples, com chopsticks e algum docinho cor de rosa indecifrável.

O passageiro ao lado finalizou sua refeição tomando chá quente que sorveu ao estilo chinês (2), com muito barulho, pois assim pode de fato sentir bem seu gosto e odor, pois estes dois sentidos estão intimamente ligados (tente sentir o gosto de alguma coisa estando gripado ou com o nariz tapado) e também por que na China servem com água fervendo.

Para fugir um pouco dos sentidos comuns, coloquei uma gota do meu parfum Fendi, que carrego sempre na bolsa – é do tipo picante, com uma mistura de couro, rosa, ambar, musgo e sândalo e tentei dormir.

Em vão. Durante o tempo da viagem fiquei então pensando em como os sentidos são fonte de encantamento ou de miséria. Respiramos, degustamos, tateamos, ouvimos, mas dentre eles o olfato parece ser bastante negligenciado. Só o percebemos quando algo nos agrada muito ou quando nos repugna.

Nosso olfato é extremamente preciso, tudo a nossa volta possue um odor próprio. Basta prestarmos atenção e o refinarmos.  O mouse do computador, nosso celular, nossa lapiseira, nossa agenda, nossos óculos, nossa roupa, e os outros enfim, são fontes de referência para nosso treinamento.  Quando nos enamoramos de alguém é porque gostamos do seu odor corporal, caso contrário é fuga na certa. Podemos detectar cerca de 10.000 odores diferentes.

Pessoas de todas as épocas e culturas sempre se sentiram atraídas pelos perfumes. Odores atraem lembranças. Existem os adoradores de cheiros específicos, como talcos, couros, páginas de livros novos, e uma parafernália de outros objetos. Entretanto só sentimos os cheiros quando respiramos e não temos as palavras certas para defini-los. Só sabemos descrevê-los através do uso de outras referências tais como: um cheiro de fruta, adocicado, floral, afumicado ou agradável, revoltante e enjoativo.

Perfumes têm sempre algo de muito misterioso e de surpresa. Hoje em dia existe uma nova geração de fanáticos por fragrâncias, que vão muito além de uma borrifada diária de perfume. Organizam festas, viagens inspiradas neles e consideram perfume uma arte. Minha chegada ao Oriente seria uma constatação entre outras coisas desta arte. A arte da perfumaria. Poderia eu encontrá-la por lá?

Desde cedo tive extrema sensibilidade olfativa e lembro-me bem de alguns perfumes franceses que minha mãe usava – Fleurs de Rocaille (Caron), Muguet de Bonheur (Caron), Mitsouko (Guerlain), Nº5 (Chanel) – porque ela deixava que eu os experimentasse.

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Recordo-me das sofisticadas embalagens cartonadas e seus frascos de vidro ou cristal que me encantavam. Para mim perfume naquela época era símbolo de luxo e prazer porque via minha mãe perfumar-se e vestir-se lindamente para uma ida à alguma festa.

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Nesta viagem esperava poder descobrir os “perfumes” do Oriente.

Desci do avião aliviada. Em Yinchuan, como está situada bem ao norte, perto da Mongólia, apesar de ser começo da primavera, ainda fazia frio. Amigos me esperavam no aeroporto. Tivemos que andar num descampado até o carro e senti o vento gelado e o cheiro de mato, madeira e terra úmida limpando minhas narinas saturadas pela cornucópia de odores grosseiros do avião.

O ar fresco adstringente lembrou-me de outra essência que adoro que é o perfume Contradiction de Ralph Lauren. Masculino, seco, amadeirado, pungente.

Yinchuam é uma cidade pequena quando comparada com outras cidades da China; ainda atrasada em muitos aspectos higiênicos o que a torna uma cidade incomparavelmente odorosa em certos lugares internos.

No hotéis mas modernos, por seus hábitos alimentares diferenciados, onde no café da manhã se alimentam com cozidos e frituras, ao lado do international breakfast; sentimos um odor agridoce misturado com óleo frito, particularmente forte e desagradável para quem espera um cheirinho de pão fresco e expresso italiano.

Nos restaurantes em geral, lojas menores, pequenos shoppings ou até prédios governamentais, os banheiros chineses deixam a desejar. Localizados em algum local inferior, são terrivelmente sujos, com o antigo sistema de banheiro turco. (3)

Alí os odores são tão intoxicantes e intragáveis – que alguém poderia dizer ser o cheiro do Diabo. O único lugar viável para uso é o banheiro do hotel. As coisas melhoram um pouco em proporção à modernização e ao tamanho da cidade.

Em casos de extrema necessidade aconselho, para quem for para lá, levar na bolsa Poison (Dior) e colocar uma onça sobre si, mesmo tendo que ser amaldiçoada depois.

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Indo para o interior, adentra-se para uma área seca, montanhosa e rochosa.
A silhueta é de uma beleza quase intocada. Alí os odores são de pó, ancestralidade e serenidade. Pavilhões, pagodes e templos budistas percorrem de tempos em tempos a paisagem desértica.

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Marcas ancestrais deixadas para nós. Tumbas que parecem cupinzeiros formam restos da 3ª dinastia da civilização MING destruida por Gengis Khan. O cheiro é de silêncio e reverência.

Entre as visitas sagradas, fui interrompida pela curiosidade de uma criança chinesa. Por eu ser estrangeira, diferenciada provavelmente em cores, formas e cheiros, quis saber meu nome e para minha surpresa perguntou o meu perfume (em inglês)! Pelo frio eu estava usando Allure Sensuelle (Chanel), um perfume oriental, com jasmim, iris, tangerina, ambar, patchouli, vetiver, bergamota e outras essencias.

Eu aprecio o uso de perfumes fortes em climas frios e florais em climas quentes. Mas muitos experts dizem que esta regra não se aplica. Cada um deve usar o que quiser.

Mais tarde, de volta à cidade grande, percorrendo as lojinhas com amigos, encontramos uma linda casa de chá.

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Várias espécies de ervas, recentes e antigas, custando até centenas de dólares ou yuans por kilo, com gostos e cheiros nunca provados. Perfumes paradisíacos exudaram da cerimonia do chá e elevaram-me à outras dimensões.

Cada gesto do mestre encontrando o seu objeto adequado, uma cumbuca medida, um pote, um pequeno bule de cerâmica custando muitos yuans, uma medida certeira, uma lenda – o Pixui – um sortilégio – o  Chan Chu – o Sapo da felicidade, a tradição familiar – a Tartaruga, a tábua de madeira maciça brasileira (pouco sustentável). A loja inteira rescendendo à alma dos verdadeiros odores chineses.

O chá chinês é um grande fetiche na China e no mundo. Na China encontramos chás embalados de todas as formas. Em latas de metal que vêm depois guardadas em outra de papelão lindamente impressa com tipografia em relêvo, com banho em ouro, com gravuras orientais e modelos de abertura totalmente inusitados e engenhosos.

Outros que vem empacotados em papéis laminados coloridos a 5 cores, guardados em caixinhas metálicas, estas por sua vez também coloridas,  encaixadas em outra caixa com um diferente tipo de abertura.

Outras com o chá embalado em fino papel de arroz, gravado, acomodado em uma cama de papel dourado que é acolhida em uma outra caixa de madeira finamente acabada à mão, com entalhes e dobradiças minúsculas que se fecham de forma intrincada.

Outras ainda onde o chá vem solidificado e possue um formato arredondado, finamente embalado em papel de arroz gravado, detalhando safra de cultivo, tipo de chá, produtor etc.

São infinitos modelos de embalagens que nos surpreendem o olhar, enchem os olhos de cores, formas e grande harmonia. Mas temos tanto assunto para falar sobre as embalagens chinesas que tudo isso fica para outra vez…

Beijing

A nova pérola da China

The New Pearl of China

Aeroporto de Pequimph4

Do interior para as cidades grandes como Beijing, Shanghai e Hong Kong, os ares mudam. Cheiros de modernidade, fumaça de incenso, perfumes baratos ou caros infestam todos os cantos.

Os povos asiáticos tem por natureza um odor corporal bastante leve, por isso odorizam muito seus ambientes. Eles também são sensíveis à eles. Entretanto devido à vida contemporânea, stress e trabalho, acabam bebendo e fumando em demasia, sendo este último liberado em todos os ambientes pelo governo, o que os faz recender fortemente à estes dois últimos, principalmente no caso dos homens.

Cheiros corporais nos nossos tempos são considerados ofensivos e a indústria cosmética nos faz crer que precisamos de loções, poções, perfumes e cremes para mascarar nossos odores pessoais.

As mulheres chinesas são belíssimas, sejam de que parte da China forem. Nas cidades mais modernas entretanto pode-se observá-las elegantes, bem vestidas, muito magras, parecendo bibelôs. Tomam muito cuidado com suas peles e como o clima é extremamente seco usam constantemente cremes, mesmo em lugares públicos, sem o menor constrangimento.

O uso de perfumes é também notório, apesar dos próprios chineses me alertarem quanto à legitimidade de suas origens.

Beijing é a nova pérola da China. Cidade agitada, limpíssima, impecável, com trânsito feérico. Arranha-céus gigantes, arquitetura arrebatadora. Em Beijing, convivem lado a lado arte e cultura do passado com o mundo de hoje. Caminhando encontramos parques majestosos, jardins cheios de flores e super bem cuidados, templos antigos, shopping centers atuais, arranha céus, passarelas aéreas, carros moderníssimos, transeuntes alegres e bem vestidos, gente acolhedora.

Bem no centro da cidade encontramos a Cidade Proibida, uma das mais imponentes obras arquitetônicas da antiguidade. Lá dentro, um mundo quase surreal, cada detalhe e sucessão de alas são fontes de beleza inesgotáveis. Os jardins floridos pela primavera estão coloridos e cheirosos. Obras de arte se sucedem de forma a nos surpreenderem sempre. Esculturas, entalhes, tronos, colunas, portais, um mundo de raridades e arte enfim.

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A Grande Muralha também é uma das grandes arquiteturas na história da civilização humana que simboliza tão bem o espírito de resistência do povo chinês. Absolutamente imponente em sua solidez e potência, como uma das imagens mito chinesas – a serpente dragão –  vara a imensidão das montanhas, colinas e fronteiras dos desertos e através das terras verdes e infinitos rios. Tudo ali cheira à história e mistério.

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Aqui vemos o trono do imperador, e um detalhe das muitas alas palacianas, com os dragões e as pinturas coloridas no interior da Cidade Proibida.

As pequenas ruas laterais à Cidade Proibida têm muito movimento por serem também bastante comerciais lá encontram-se  pequenos veículos que lembram os riquichás e que servem de taxi e são bem baratos. Por fim uma vista da Grande Muralha que nos reporta à seu passado cheio de história, mistério, mortes e solidão.

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Shanghai

The Retro Futuristic City

A Cidade Futurista Retrô

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Deixei Beijing já com saudades e parti para Shanghai. O hotel estava situado no bairro mais antigo e seu estilo era inglês. A janela dava para um campo de golf, no teto de um edifício bem alto. Bem oriental.

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Em Shanghai cada passo é uma surpresa e às vezes um susto. Belo é vê-la em seus extremos. Em seus detalhes ou suas grande angulares.

Amanheceu com bruma e bastante poluição. A cidade é muito stressante e o tráfego muito intenso. Se o sinal está vermelho os carros passam assim mesmo, com pouco respeito aos pedestres.

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Shanghai e muito diferente de Beijing, tem um clima mais intenso, mais denso. Conforme o dia vai passando a cidade vai se tornando mais turva, mais misteriosa. Existe lá um misto de novo e velho decadente que a torna muito inquietante.

A cidade é mais surpreendente em cada esquina, onde ora o belo e o feio, o limpo e o sujo se encontram. À noite entretanto, a cidade se transforma, cria vida. Senti-me estranhamente impactada pela grandeza de sua beleza fria, da silhueta arquitetônica noturna penetrante, como uma galáxia no silêncio do universo. Subitamente, milhares de luzes se acendem e a cidade sob um condão da varinha mágica, ganha novos contornos hipnotizadores.

torre iluminada

Suas panorâmicas são assustadoramente blade runner. Pareceu-me uma cidade estranha e ausente de persona onde não consegui sentir nenhum cheiro ou aroma especial de coisa alguma ou ninguém.  Pelo menos neste primeiro dia…

torre bola

Mas durante o dia podemos sentir as luzes brincando à nossa volta.

Fui ver o aquário de lá e quase caí de costas – absolutamente inacreditável – um show de luzes (via tunel), imagens, cores e peixes fantásticos ( o aquário fica acima de nossas cabeças e parece que os peixes estão ao alcance das nossas mãos). Mas ainda o ambiente estava totalmente selado…nenhum cherinho de peixe à vista!

Tunel vermelho

Continuando minha jornada fui até a feira do Templo Budista principal. Lá esperava encontrar alguns perfumes mais intensos, ao menos dentro do templo.

De fato, antes da entrada principal, já se viam nas lojinhas uma imensidão de incensos de todas as qualidades. São incensos muito grandes e muito diferentes dos indianos. Para minha surpresa eles não tem perfume. Somente cheiram à cinza queimada.

Entrando do templo porém, nos vários altares, onde haviam ofertas de pêssegos e abacaxis maduros, pude começar a sentir seus leves e delicados odores.

altar frutas

lareirona rumegante

Além dos odores naturais a China é uma festa de cores. Seja pelos caminhos que se caminha, seja nos ambientes urbanos ou nas mais distantes paisagens naturais.

Nas ruas e cantos da cidade vêm-se abundantes tributos à Buda. Frutas, aves, velas e incenso. Sempre intocados e respeitados. Tudo delicada e harmoniosamente arrumados.

Mas também, surpreendentemente, vê–se nas esquinas da cidade, roupas penduradas ao vento, balançando, sinalizando um alô ou um adeus ao viajante que passa por lá…

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Nos restaurantes finos os odores mudam de figura. Somos pegos de surpresa. Inicialmente pela divina apresentação dos pratos, depois pela sequência de sabores, cores, desenhos, montagens e obviamente odores.

Há rigor estético cultural.

A comida chinesa é de uma riqueza e fartura inacreditáveis. São dezenas de verduras e legumes crus, cozidos, refogados e misturados com temperos dos mais diversos, alguns delicados e outros fortes e muito apimentados.

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peixinhos

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Peixes, carnes e aves de todos os tipos enriquecem os jantares que não terminam, onde cada prato é intercalado por iguarias semi doces, apimentadas ou levemente salgadas num encanto gastronômico inigualável. Os odores são leves e delicados.

Por respeito à estes pratos não me permiti usar nenhum perfume. Seria muita ousadia e irreverência.

Mas lá também existem lugares que são relaxantes e engraçados, os famosos e muito apreciados karaokês. Muito diferentes dos nossos, têm salas privadas com todo o tipo de luxos  e confortos, comidas modernas, salgadinhos, cervejas, e muitas frutas frescas que os chineses adoram!

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Hong Kong

The Fragrant Harbour

O Porto Perfumado

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Aeroportos tem muitos cheiros, principalmente perto dos duty free shops quando v. sai da China para entrar em Hong Kong. São cheiros internacionais. Cheiros europeus, franceses, de grandes perfumarias, de grandes perfumistas, grandes bebidas, e grandes chocolaterias. Um misto de sensualidade, prazer, luxo, conforto, contemporaneidade e beleza.

Armani, Hermès, Chanel, Christian Dior, Givenchy, Tom Ford, Guerlain, Lanvin, Estée Lauder, Cartier e milhares de outras marcas volatizam-se no ar atraindo passantes como abelhas às flores. Múltiplas vitrines coloridas cheias de frascos que disputam seu design entre si e seus reflexos ofuscam os olhos de quem passa. Lindas chinesas borrifam o ar e sorriem gentís aguardando nossa chegada. Perfumes cheiram mais forte em baixa pressão porque o perfume se espalha mais rapidamente, afinal perfume é 98% de água e álcool e 2% de gordura e moléculas de perfume. Em dias quentes perfumes também evaporam mais rapidamente. Eu passei correndo tentado evitar a tentação de comprar mais perfumes, que são a minha paixão.

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Em Hong Kong fazia calor e a cidade me lembrou um pouco de São Francisco com algumas partes do Rio de Janeiro, principalmente nas áreas verdes.

É uma cidade extremamente vertical, contemporânea, onde não existem traços da cultura chinesa milenar a não ser nas riquíssimas lojas de antiquidade na Hollywood Road – o fascínio de todo o turísta.

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vitrine com deusas deitadas

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Cheirar bem deixa bons rastros, boa imagem, bons fluidos, bons sonhos, boas lembranças.

Em toda a China, nas cidades mais antigas como Nanjing, Zheijiang, Hebei, Shaanxi (aonde encontram-se enterrados a armada de terracota), Shandong, Beijing, Angzou,  sente-se o perfume da grande e única cultura mundial de muitos milhares de anos. De outro lado, uma China cheia de contradições, onde existe o cheiro de culturas novas e uma energia jovial no meio das pressões da vida moderna.

A China é magnífica; uma terra de extrema beleza natural, com montanhas, desertos, grandes rios, vales, vistas rurais e jardins elegantes floridos e perfumados.

Os ancestrais Chineses nos deixaram, sob a infuência da arte budista com influências Indianas e Persas, obras de arte esplendorosas. A majestosa Cidade Proibida, uma obra de arte feita pela mão humana que enfatiza a harmonia e a unidade. E tantas outras obras vindas da natureza e do próprio homem.

Todas estas paragens que nos tocam profundamente estão incensadas por dionisíacos perfumes naturais que o homem até hoje procura assimilar e similar.

Apesar disso, lindas chinesas, sejam campestres ou urbanas, jovens ou idosas, são altamente sensíveis aos perfumes fabricados pelo homem.

Não há perfume que não as faça virar a cabeça e perguntar sem pudor que que perfume v. está usando. Obviamente os perfumes importados são caros para os chineses e existe pirataria interna também nesta área. Todo cuidado é pouco.

Apesar de dizerem que perfumes são um dos luxos mais acessíveis na vida, eu não considero perfume um luxo mas um prazer. Hoje em dia todos tem acesso à algum tipo de perfume seja qual for e não tem que ser necessariamente um perfume francês. É claro que existem diferenças mesmo entre uma casa produtora e outra.

A humanidade sempre foi atraida pelos perfumes naturais que a rodeava. Nas flores, nos frutos e até nos animais. Seu desejo foi de carregar consigo tais aromas.

As primeiras tentativas foram bastante rudimentares. No Egito usavam óleos aromáticos e águas de flores nos banhos. Na era Elisabetana usavam muitas fragrancias nas roupas para encobrir a pouca higiene. Mais tarde bolas perfumadas  e caixinhas de vinagre aromatizado ficaram populares. Por volta de 1700, grandes produtores de perfumes se estabeleceram produzindo colonias florais delicadas. Durante o sec. 19  as técnicas foram evoluindo e ao invés de matérias primas naturais, que são muito caras por kilo, as sintéticas acabaram ganhando espaço e Paul Parquet em 1881 lançou o famoso perfume para Houbigant, Fougère Royale, que se tornou possível à um grande número de mulheres.

Houbigant Fougère

Entretanto neste ponto das coisas vocês devem estar com milhares de perguntas na cabeça…mas e daí? Tantos odores naturais… a busca dos perfumes na China… Como se faz um perfume? Quem faz um perfume? Perfume é uma ciência? Perfume é uma arte? Perfume é design?

São mesmo muitas perguntas e as respostas também são inúmeras e só poderão ser respondidas proximamente. O assunto é vastíssimo e  possue muitas ramificações.

Posso concluir entretanto que apesar de todo a arte, design, ciência e tecnologia empregados na elaboração de um perfume, a maior perfumista de todas, como disse Luca Turin, ainda é a Natureza e após visitar a China constatei que ela é uma grande professora.

(1) “Nada é mais memorável do que um perfume. Um perfume pode ser inesperado, momentâneo e fugidío, entretanto pode lembrar um verão na infância à beira de um lago nas montanhas”.

(2) As regras de boa educação chinesa vêm de tradições há séculos. No início da dinastia Han era de muito mau tom fazer barulho ao comer, mostrar a comida que se tinha na boca, comer muito e olhar para a comida na mesa. Não se devia espalhar o arroz, não se devia sorver liquidos ruidosamente.. e muitas outras regras. O código de boas maneiras oriental e ocidental são muito semenlhantes até hoje.

(3) Buraco no chão e apoio para os dois pés.

Créditos

Fotografias

Suzana M. Sacchi Padovano

Agradecimentos

Bruno Roberto Padovano

Thomas Tsang

Jeff  Tsang

Juliana Ting

Sapato, scarpa, chaussure, zapato, schuh…!

Put on your red shoes and dance the blues” David Bowie

Flair julho 2008/n.7

Flair julho 2008/n.7

Sapatos, sapatos, sapatos. Desde criança uma mulher gosta de sapatos. Terá nascido assim ou terá aprendido a amá-los?

Eu me lembro que na idade de 4 ou 5 anos desejei que minha mãe comprasse um sapatinho de verniz vermelho “mary-jane” que eu havia visto em uma loja de sapatos. Fiquei muito triste porque ela os comprou pretos. Disse que vermelho era uma cor vulgar. Somente muito mais tarde, com várias sessões de divã, consegui me livrar deste “trauma”…

sapato estilo mary-jane

Sapato estilo Mary-Jane

São poucas as mulheres que conheço que não adoram possuir sapatos…muitos deles. Mulheres de todas as faixas etárias e classes sociais.

As muito abastadas amam possuí-los de todos os formatos, cores, alturas, modelos. Para cada par que compram sempre existe uma jusficativa irrefutável. Pares e pares ficam estocados nas prateleiras dos armários quando alí cabem. Ou então quando muda de estação são guardados em suas caixas e vão para algum outro pouso para dar lugar aos novos que chegam. É um vai e vem que nunca tem fim. O descarte é impensável. Cada par traz sentimentos infinitos; amorosos ou raivosos mas que jamais serão esquecidos.

O mote é colecioná-los porque parece existir uma Imelda Marcos dentro de toda mulher.

Além disso existe todo um ritual para limpá-los. Muitas, as mais exigentes e economicamente dotadas, após um dia de uso, os levam ao sapateiro para uma limpeza especializada. Outras os higienizam em casa com desodorantes, álcool, flanelas especiais e uma mãozinha de creme importado ou graxa. Tem aquelas que os deixam respirar em compartimentos com aparelhos especiais que retiram os ácaros do ar evitando desta forma o bolor. Quase todas, colocam seus sapatos em saquinhos de TNT que “respiram” e tem alguma forma de visor para poderem visualizá-los. Quem não, escreve o modelo nas caixas de papelão. Atualmente existem no mercado caixas totalmente transparentes, empilháveis e ventiladas. Enfim modelos para todos os gostos. Isto tudo para falar de usos e costumes mais atuais.

Agora quanto à moda, sem voltar demais na história pois existem muitos livros especializados nesta área, vou fazer um enorme “salto” apenas citando aqui grandes mestres do design como André Perugia, Roger Vivier, Manolo Blahnik, David Evins, Patrick Cox, David Little, Salvatore Ferragamo, Jimmy Choo, Vivienne Westwood, Christian Louboutin entre outros que fizeram e alguns ainda fazem grandes contribuições sejam técnicas como criativas na área, nos séculos XIX, XX e XXI.

Mas quem são os designers de calçados que estão por trás das ”grifes” nacionais que se apresentam ao consumidor de hoje? Será que o que vemos nas revistas e lojas locais são realmente criações originais? Tenho muitas dúvidas pois já encontrei muitos produtos, em lojas muito conhecidas, que eram a cópia exata de modelos Gucci, Fendi, Ferragamo entre outras.

Obviamente existem estilistas nacionais renomados que desenvolvem trabalhos interessantes mas na história do sapato em termos de estilismo quase tudo já foi inventado, portanto o que vemos nestas coleções é sempre uma reedição, uma busca no retrô, no “déjà vu”. Acho que o que está faltando é muita pesquisa em termos de novas tecnologias e novos materiais. Estes sim trarão estéticas inéditas. O resto é o resto. Um eterno cansaço. Pastiche sonolento. Nos últimos desfiles das Fashion Weeks vi alguns sapatos mal desenhados deformando o passo e o posicionamento dos pés da modelo. Faltou técnica, modelagem, pesquisa.

sapato conceito do futuro/ yves behar, johan liden, geoffrey petrizzi

Sapato conceito do futuro/ Yves Behar, Johan Liden, Geoffrey Petrizzi

Por volta de 1957 Raymond Massaro criou para a casa Chanel o famoso sapato com biqueira preta (hoje oferece sete alturas de salto). Foi um furor.

Casa Chanel/Raymond Massaro/ 1957

Casa Chanel/Raymond Massaro/ 1957

Casa Chanel/Karl Lagerfeld/anos 90

Casa Chanel/Karl Lagerfeld/anos 90

Na década de noventa era muito chique usar sapatos simples, com linhas puras, e os sapatos deveriam combinar com a bolsa formando um conjuntinho harmonioso e total. Este padrão durou longos e tortuosos anos. O tempo dos “combos”. Tudo muito certinho. Saltos c onfortáveis para o mercado de trabalho com biqueiras mais largas. Nesta época os sapatos eram chamados “clássicos”. Quase sempre com a gáspea lisa com um pequeno detalhe, uma fivelinha, um repuxado no canto, um lacinho delicado, uma florzinha. O sapato estava domado, domesticado.

As cores eram bem sóbrias. Preto, azul marinho, marrom, cinza e algumas tonalidades próximas.

Em 1995 Vivienne Westwood e Christian Louboutin puseram o vermelho em linha, este último não somente os fez vermelhos mas pinta suas solas de vermelho vivo até hoje! Sua marca registrada.

Sola sapato Christian Louboutin

Sola sapato Christian Louboutin

E por falar em Louboutin, eis que  ele está abrindo sua loja no Brasil em São Paulo. Considerado o designer francês de sapatos favorito de reis, rainhas e da “hight society”, insuperável pela sua exclusividade, elegancia e pelo design que ele chama “sapatos de Cinderela”, deixou-se fotografar em frente de sua loja descalço. Tirem vocês as suas conclusões.

Bicos finos, saltos altos, cores vivas, o vermelho, o brilho, sempre foram atrativos eróticos.

Hoje vemos sendo relançadas todas as tendências; sapatos abotinados, plataformas, cujo auge foi nos anos 60, ousadias insanas, saltos estratosféricos, mix de materiais erzats, fivelas dominatrix, correiras, correntes, cordões, releituras ”back to the future”, mesmo porque Chanel nos anos 90 já se apropriara do look fetiche no seu clássico sapato de 2 tons.

Casa Chanel 1990/Sapato Fetiche

Casa Chanel 1990/Sapato Fetiche

estilos atuais

Estilo atual

Estilos atuais

Estilo atual

estilo atual

Estilo atual

O centro das atenções e da atração volta-se hoje novamente aos pés.
Agora sapatos se oferecem para todos os momentos, gostos e justificativas. Não existem regras de uso e sim o desarranjo, o desconstruir. Sem combinações.

Os sapatos sempre foram objeto de veneração desde a antiguidade mas o fetichismo só surgiu com este nome no sec. XIX como uma reação à repressão e ao puritanismo vitoriano. Dr. Freud escreve um artigo tardio sobre fetichismo em 1927.

Alguns sinais imagéticos do fetichismo são os sapatos pretos de verniz, os saltos muito altos e finos que conotam submissão da mulher pela impossibilidade de seu movimento. Sapatos providos de cadeados, correntes, tachas ponteagudas (cravos), tiras de couro. Todos estes elementos servem para causar satisfação pulsional tendo o sapato como objeto erótico para prática sexual. Os sapatos fetiche transformam quem os usa em objeto.

Sapato Christian Louboutin

Sapato Christian Louboutin

A análise psicanalítica segundo Dr. Freud faz o “fetiche aparecer como o substituto do falo da mulher (mãe) em que a criança acreditara e ao qual não quer renunciar. A criança se recusa a tomar conhecimento do fato de sua percepção de que a mulher não tem pênis para com isso fugir à ameaça de uma eventual castração.”

No indivíduo fetichista existe uma renegação da realidade externa, uma renegação da castração. Assim como a mulher não tem pênis na realidade, ele encarna o objeto que supostamente falta substituindo-o por um outro objeto da realidade, isto é, o objeto fetiche. A eleição de tal objeto lhe permite não renunciar ao falo na mulher.

Quando perguntado sobre o assunto o Dr. Paul Kardous, analista Lacananiano, me disse que  “o fetiche é uma perversão e não uma psicose. Porém o fetiche na neurose,  pode ser um meio para esquentar, propiciar, apimentar, a relação. Nestes poucos casos, que são os mais frequêntes, é usado como um meio para se atingir um fim, que é a satisfação da pulsão, dito de outra forma: gozar!!! Assim sendo, o fetiche é de uma estrutura perversa quando utilizado apenas e tão sómente com objetivo final da relação e, neurótico (normal) quando usado enquanto meio para se atingir um alvo para além deste objeto.”

sapato-fetiche026

Sapato de Nicholas Kirkwood para Rodarte

Estruturalmente, o fetiche é um artifício para se negar (na neurose) e ou desmentir (na perversão) a castração feminina. Portanto, enquanto perversão, só cabe aos homens.”

E para a mulher? Qual é a origem do fetiche feminino, para sua compulsão consumista especificamente voltada os calçados? O objeto fetiche é exclusivamente masculino. Para a mulher existe a condição da objetificação. Resta saber se ela está consciente dela.

Um sapato não chega a ser um objeto que é abstraido de sua função. Serve para proteção dos pés, se pensarmos em sua função básica. Mas pode vir a sê-lo se for usado por uma única vez e/ou transformar-se em objeto de uma coleção. Na coleção o objeto uma vez funcional torna-se objeto de posse, passivo. Assim a coleção é como um jogo passional que na psicanálise é interpretada como regressão ao estado anal que se traduz por condutas de acumulacão, ordem e retenção agressiva.

O extremo amor e prazer de quem os coleciona vem do fato de que o objeto colecionado lhe parece único e exclusivo. Há o fascínio da singularidade absoluta e da série indefinida. Um jogo até que a vida dure. O objeto colecionado é achado, ordenado, classificado, finalmente exibido, sendo um espelho perfeito do colecionador, aplacando na sua alma todas as tensões e neuroses do dia a dia. O homem para ele regressa, à ele se recolhe encontrando sua paz temporária e ilusória.

Coleção

Coleção

Colecionar sapatos pode ser um caso extremo mas existem ainda outros comportamentos de equilíbrio neurótico. Observação realizada por mim, em loja de artigos femininos para consumidoras de alto poder aquisitivo, durante um certo período de tempo para estudo, mostrou o retorno de determinadas clientes, diariamente, para busca e compra de qualquer produto feminino. Ao serem perguntadas se estavam necessitadas desses produtos, responderam que não, mas que estavam sempre em busca de novidades.

Neste padrão de conduta muitas vezes levavam produtos emprestados tal a carência indefinidamente renovada e sistematicamente frustrada.

Não há dúvida de que o mundo dos objetos é extremamente sedutor, isto pensando da forma como viemos fazendo até agora; sempre conectados num aumento da disponibilidade de bens e recursos naturais consumíveis para nosso máximo bem estar.

Para estas consumidoras só existe o piloto automático. Comprar, comprar, comprar é sua aparente satisfação pessoal ou sua profunda insatisfação interior inconsciente.

Entretanto deveremos pensar numa nova estratégia. Na reeducacão de nossos hábitos, desligando nosso piloto automático, através do pensar na suficiência, num drástico repensamento no nosso conceito de bem estar.

Em face de momentos de crise econômica mundial será que começam a existir limites na consciência dos consumidores? A condição planetária e as questões de sustentabilidade estarão sendo condicionadoras para novas formas de consumo e da idéia de bem estar? Haverá maior conscientização sobre as civilizações carentes no globo? Haverá maior conscientização sobre os danos materiais, conflitos étnicos, fome, instabilidade política, saúde e felicidade humanas?

Quantos 50, 100, 200, 500 sapatos precisaremos comprar antes de podermos sustentar novas éticas para um futuro melhor?

sapato-terra

Foto: Michael Roberts

Notas Bibliográficas:

Dana Thomas, Deluxe How Luxury Lost its Luster, 2007

Jean Baudrillard, O Sistema dos Objetos, 1968

Pierre Kaufmann, Dicionário Enciclopédico de Psicanálise – O Legado de Freud e Lacan, 1996

Colin MacDowell, Manolo Blahnik,  2000

Stefania Ricci (a cura di), Museo Salvatore Ferrgamo, Idee, Modelli, Invenzioni, 2004

Créditos Fotográficos

Linda O’Keeffe, Sapatos

Revista Tank, Volume 3, Issue 10, 2004

Harper’s Bazar, February, 2009

Colin MacDowell, Manolo Blahnik,  2000

Desenho

Suzana Sacchi Padovano

Agradecimento

Dr. Paul Kardous

O Mundo do Design

O Tempo na Moda

“O homem domesticou o tempo ao criar o relógio de pulso”

Baudrillard

No meu papo anterior fiz um vôo razante sobre o assunto sustentabilidade, do qual pretendo falar muito mais posteriormente.

Com os desfiiles das coleções de inverno em São Paulo e no Rio temos um assunto em maior evidência para se comentar – a Moda. Existem muito cronistas de Moda mas poucos críticos e pensadores sobre ela. Baudrillard cita alguma coisa em seu livro “Sistema dos Objetos” sobre um ponto de vista da semiótica assim como Lipovetsky em “O Império do Efêmero” que se debruça sob seus aspectos sócio-culturais.

Nestas semanas de moda, acompanhando os desfiles, senti pouco interesse estético. Praticamente todas as coleções não apresentaram nada de realmente novo. O que vem existindo é um pastiche, uma suplementação, uma recorrência de estilos passados que na maioria das vezes dá lugar ao caos. É o “going back to go to the future” (voltar ao passado para se chegar ao futuro) E o que é engraçado ou o triste é o fato dos comentaristas na TV não apresentarem nenhum discurso interessante. Eles apenas descrevem o que já estamos vendo – que a saia é mini, que tem babados, que tem recortes ou brilhos enfim pouca cultura ou conceitos veiculados. Claro que existem trabalhos de estilistas muito válidos, mas poucos.

Mas não é sobre os desfiles e as últimas coleções o que quero escrever. Como a moda é o espelho da sociedade e estudá-la e tentar compreendê-la irá contribuir para a compreensão de nós mesmos, pensei em abordar um assunto  que acho bastante interessante, que é o tempo. Como ele é sentido por nós na sua irreversibilidade, desde nosso nascimento até a nossa morte e como ele é representado e apreendido na moda nos últimos tempos.

Sim, porque falar sobre o tempo é algo muito complexo e extenso que pode ter um viés científico ou filosófico mas não pretendo fazê-lo nessas formas. Quero escrever sobre os relógios de pulso que notadamente nas últimas coleções européias vem tomando grande destaque dentre os acessórios femininos.

Até uma década atrás aproximadamente era prerrogativa masculina o uso de relógios grandes.

Mr. Anderson Cooper

Mr. Anderson Cooper

As mulheres sempre usaram relógios pequenos ou médios, bem femininos, com correias finas e delicadas, trabalhadas, seja em couro, douradas ou em ouro. Relógios tinham uma especificidade prática que era sua função de fornecer as horas, seu discurso manifesto.

relógios antigos

relógios antigos

Entretanto com o passar do tempo e o crescente poder das mulheres nos vários ramos profissionais, este item passou a possuir não somente sua função denotativa objetiva mas suas funções conotativas como signos estatutários e ostentatórios adquiriram relevância qualificando seu usuário de determinada posição na pirâmide social ou cultural.

Assim a grife do relógio torna-se tão ou mais importante do que saber que horas são, uma vez que o saber das horas pode ser conhecido de inúmeras outras formas como no celular, no carro, em pontos públicos etc..

Existe uma concorrência acirrada entre as grifes tradicionais das grandes joalherias tradicionais como por exemplo Rolex, Boucheron, Movado, Cartier, Patek Philippe e a das grifes de moda como Coach, Dolce e Gabbana, Gucci, Hermès, Fendi, Dior, Versace entre outros.

rolex ouro

rolex ouro

Em 2005 a Fendi lança tendência com um super relógio 4X4 cm e no editorial da Vogue americana do mês de de novembro de 2005 uma super modelo posa com um super relógio; algo super inusitado! Mas ainda é lançamento. Poucas usam ou ousam.

relógio Fendi

relógio Fendi

2004 começa a tendência dos super anéis, os chamados anéis de coquetel, do tamanho do anular, feitos com citrino, diferentes típos de quartzo e diamantes.

Em 2008/9 os acessórios ficam cada vez maiores; brincos, pulseiras, colares tornam-se gigantescos, brilhantes, pesados, massudos. Na minha opinião pouco ergonômicos porque possuem pontas agudas que podem perfurar a pele, as roupas, embaraçar os cabelos. São muito pesados porque são feitos de gemas verdadeiras e não plastificados.

bijoux gigante

bijoux gigante

Quem irá usá-los? Sem falar que são esteticamente bastante grosseiros. Essa tendência já chegou até o Brasil em algumas lojas de bijoux sofisticadas mas apresentam os mesmos resultados desanimadores.

Na corrente do gigantismo estão os chamados relógios poderosos ou como chamam os americanos “power watches”. Surgiram para reforçar o poder as mulheres profissionais, se é que as verdadeiras precisam deste recurso…

Passendo por aí vi inúmeros pulsos de brasileiras adornados por relógios douradíssimos, exageradamente grandes, com corrente metálica, estilo Rolex masculino, todos praticamente iguais à primeira vista. Com grifes indefiníveis. Num primeiro olhar, conotando prestígio, aristocracia e “ócio”. Sem dúvida objetos cuja  ênfase é dada à aparência e ao “poder”.

Entretanto percebe-se aí uma grande contradição de uso.  Estas consumidoras buscando uma identidade ou personalização através do uso de uma grife (de difícil visualização), do simulacro do ouro (dourado) e do poder (tamanho gigante), acabam por despersonalizar-se e seu objeto de desejo acaba por perder-se na extensa malha dos objetos de menor taxa de originalidade, dos objetos erzats ou objetos simulacros, na massificação dos gostos, na generalização e nivelação dos atos e opiniões.

A moda é uma grande impostora, criadora de ilusões. Ela tem uma rapidez tanto de produção como de consumo próprias. O consumidor está sempre ávido por novidades e ambos se auto alimentam criando o objeto supérfluo, com sua obsolescência programada. Neste ciclo o usuário então sente-se fora de moda, inadequado e com medo da rejeição, pronto para um novo novo que já está sendo novamente lançado…

Desta vez o novo é a volta ao velho, ao passado, ao retrô, ao “vintage”. Novos editoriais de moda em 2009 nos mostram relógios pequenos ou médios, bem femininos, com correias finas e delicadas trabalhadas seja em couro, douradas ou em ouro…

retro-style-back-to-the-future

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Assim cria-se uma congestão de produtos inútes onde o “mais consumo” ainda é considerado “bem estar” mas que nada tem a ver com responsabiilidade ambiental e sustentabilidade. Milhares de grifes de relógios continuam a perpetrar diferentes estilos e modelos cada ano com pequenas alterações em tamanhos criando assim novas “necessidades” alienadas da questão planetária.

Como disse Baudrillard, “o homem já conseguiu domesticar o tempo pela criação do relógio de pulso”. Pergunto eu, conseguirá ele “domesticar” seus critérios éticos, tecnológicos e culturais?

É o que se espera urgentemente agora.

Suzana M. Sacchi Padovano

Créditos:

Design Gráfico Cabeçalho: Lorenzo Sacchi Padovano

Foto Mr A. Cooper /Hillary Walsh

Demais fotos: Revistas Vogue America 2004/2005/2008

Elle America 2008

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